O impasse do SUS
A famosa frase popular “não dê o peixe, ensine a pescar”, parece não ser tão popular assim, tão pouco capaz de gerar reflexões.
Eu que trabalho diretamente com os hospitais públicos, aqui no Distrito Federal, já não consigo entender mais, o do por que, de tanto descaso? Porém por mais contraditório que possa parecer, o descaso nada mais é, do que a incapacidade desse modelo gratuito de saúde, de ainda permanecer existindo nos dias atuais.
Não há dinheiro que cubra os enormes custos que diariamente se avolumam e que geram um esgotamento das reservas públicas para este setor. Sem falar das fraudes e corrupções que suprimem uma enorme quantidade de recursos, suor da contribuição tributária de cada brasileiro e principalmente daqueles, que como eu, servidor público e que contribui com quase ¼ do salário retido na fonte.
Não bastam os escândalos, não bastam as denuncias do mau uso dos recursos públicos para a saúde, parece que nada faz com que os administradores públicos resolvam fazer as reformas extremamente necessárias para este setor.
Eu sou arquiteto da Secretaria de Estado de Saúde do DF. Minha rotina de trabalho é praticamente o de frequentar de quatro ou mais vezes por mês, em visita aos hospitais da rede do DF. Todas às vezes que vou a um hospital público eu me pergunto do por que tudo isto? Vejo pacientes e acompanhantes calmamente almoçando a refeição servida gratuitamente pelos hospitais. É tudo gratuito: remédios, curativos, hotelaria, cirurgias, tratamentos, etc. Uma torneira aberta! Reproduzo aqui a fórmula tão divulgada pela mídia recentemente: 12000 refeições diárias x R$1,00 x 30 dias = R$360.000,00 por mês, é o bicho!
Mas o mesmo sujeito que brinca o carnaval durante os quatro dias, bebendo, fumando e farreando, é o mesmo que na quarta-feira de cinzas, se encontra na fila dos ambulatórios ou das emergências atrás de um atestado médico para fraudar o emprego. Onde tudo isto vai parar?
Não pense que estes argumentos justificam os meios, pois não é esta a minha intensão. Tão pouco denegrir a imagem do povo paupérrimo e a deriva de uma civilidade. Minha intensão é o de alertar, pois como este caso, existem muitos mais, assim como existem aqueles pacientes que possuem doenças degenerativas e que se não fosse o SUS estariam mortos ou Deus sabe lá como.
Mas é necessário um pensamento de renovação, é necessário que este país tenha a coragem de mudar o que precisa ser mudado. Se os nossos políticos acham que mudar a Lei que dá garantias de uma saúde 100% gratuita, signifique o suicídio político de cada um deles, que o seja! Sem coragem nada de bom se consegue.
Foram sete anos vividos em Paris. Lá o serviço público de saúde é para todos e de excelente qualidade, mas não são 100% gratuito. Existem remédios gratuitos como existem os que devemos pagar. Se paga por uma consulta e por uma hospitalização, mas é bem menos do que pagaríamos em qualquer UTI de um hospital privado brasileiro. Cinco dias de hospitalização no Hospital Europeu Georges Pompidou me custou 500 euros. Eu prefiro isto a ter que vender minha casa ou meu carro para cobrir as despesas de uma UTI no hospital Anchieta de Taguatinga onde meu pai quase morreu.
Estamos em um impasse: ou assumimos o caminho das reformas ou privatiza-se tudo, e todos pagariam por um plano de saúde aos moldes norte-americanos. Do jeito que está não dá mais!
O cancro foi exposto recentemente nas denúncias da Rede Globo de TV, onde empresas prestadoras de serviços tem uma ampla facilidade de enriquecer ao mesmo tempo em que corrompe e enfraquece a saúde pública brasileira.
A máquina precisa girar e sem um motor não adianta injetar o combustível, pois se trata apenas de uma torneira aberta, gastos sem fundos sem retorno. Não podemos mais dar o peixe, o Brasil hoje é a sexta economia mundial, o Brasil hoje pode custear um curativo a três reais, uma radiografia a 10 reais, uma vacina a 1 real, uma hospitalização a R$50,00 a diária.
Não podemos mais ficar pensando em como resolver o problema da saúde pública com um fornecimento eterno e gratuito de recursos públicos. Hoje beneficiamos uma população que pode pagar por um pão, por uma cerveja, mas não pode pagar um real por um curativo! Hoje o benefício é para aqueles que possuem tempo a perder e para aqueles que têm como pagar um bom plano de saúde privado. Para aqueles que não têm um nem outro, como eu, sofrem a espera que um dia o nosso governo possa adotar um serviço público de saúde eficaz.
Isto tudo precisa ser pensado.
Marco Santos de Amorim
Arquiteto/Architecte d.e.s.a.
Diplomado em 1987 pela UnB.
Diplomado em 2001 pela École Spéciale d´Architecture em Paris.