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sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Design e a psicologia ambiental


UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO



DISCIPLINA: ESPAÇO E ORGANIZAÇÃO SOCIAL – semestre 1/2012
PROFESSOR: FREDERICO DE HOLANDA
EXERCÍCIO ANALÍTICO



COMO O DESIGN** PODE AFETAR AS NOSSAS VIDAS, OS NOSSOS SENTIMENTOS E AS NOSSAS EMOÇÕES.


ALUNO: MARCO SANTOS DE AMORIM






Brasília, Maio de 2012.


1. Resumo
Arquitetura, psicologia e saúde.
Este texto visa estudar os efeitos da forma, do desenho urbano, dos projetos de arquitetura, dos estilos evolutivos, como referenciais para a saúde física e mental do ser humano.
Pode a forma nos ajudar a compreender nossas origens, nosso passado e nos posicionar frente ao nosso futuro? Pode o desenho servir de orientação, de referencial que nos ajude a reconhecer nosso lar, nossa própria identidade como ser? Como pode o design oferecer possibilidades de bem-estar físico e mental ao ser humano?
Foi diante desses questionamentos que busquei abordar este estudo. Para isto fui buscar referenciais na Psicologia Ambiental e em Environment-behavior Studies and Design Research, pesquisas estas, com relevados e amplos estudos principalmente na Europa e nos Estados Unidos.
Finalmente buscarei orientar este estudo à minha área de atuação, a arquitetura para saúde. Como agente da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, sei da enorme importância que o espaço edificado opera no pleno restabelecimento dos pacientes. 




Como o desing pode afetar as nossas vidas, os nossos sentimentos e as nossas emoções.

1. Introdução

“Um violonista no telhado” filme de Norman Jewison, 1971. O filme inicia com um homem explicando que em sua aldeia existe tradição para tudo: de como se vestir, de como dormir, de como trabalhar, etc. Ele conclui explicando que é exatamente por existir essas tradições que o seu povo é feliz.

A tradição neste caso simboliza uma espécie de “ancora” impedindo que “barco se perca a deriva e corra o risco de ser jogado contra os rochedos”. Também pode ser simbolizada como um referencial, uma ligação a uma tradição, a um costume, hábito ou padrão estabelecido. “Ato de transmitir ou entregar. Transmissão oral de lendas, fatos, etc., de idade em idade, geração em geração. Conhecimento ou prática resultante de transmissão oral ou de hábitos inveterados. Recordação, memória”.– Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa.

São através das transmissões de conhecimentos que se constrói o saber. Já o processo de criação simboliza ato isolado, ato exclusivo, ato novo, que vem a denotar uma conotação diferente junto ao termo tradição. “Criar, dar existência a; tirar do nada. Dar origem a; gerar; formar. Dar princípio a; produzir; inventar; imaginar; suscitar, etc”. – Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Transmitir uma tradição, portanto, seria o de transmitir algo, obviamente, anteriormente inventado, imaginado, gerado ou formado. Portanto, transmitir difere de criar, embora um não anule o outro, bem ao contrário: é graças às transmissões das invenções (conceitos já estabelecidos) que podemos chegar a novos princípios, a novos conceitos. No fundo qual a real diferença entre criar e recriar?

As referências históricas são elos que dão respaldo a um conforto e a um bem estar. O verde das cidades transportam as lembranças do campo presentes nas mais remotas lembranças de cada ser humano, ou o seu inconsciente. “Apesar do ser humano ter conseguido modificar suas possibilidades de ação e seus modos de existência em poucos e recentes séculos de sua história, muitas atitudes e sentimentos do homem pré-histórico continuam presentes e se repetindo no ser humano moderno” (Ballone GJ, Meneguette JP – Teoria da Personalidade).

O que pode o desenho de nossas cidades afetar os elos de referências com as âncoras sentimentais com os nossos ancestrais? “O tempo é um dos principais componentes da experiência arquitetônica. As reações do povo com relação a um edifício são influenciadas pelo passado, presente e futuro, e também pelas dimensões físicas, cor, material e estilo. Um edifício pode ser programado temporal e espacialmente para ligar o presente com o passado, ou o presente com o futuro”.[1]

O Plano Piloto de Lúcio Costa não chega a ser invenção, muito menos estabelece um rompimento com a cadeia histórica do design. No sentido de parecer o não condutor das referências históricas, de parecer ser o moderno. “Foi e continua sendo comum representar Brasília como “utópica”. Será? O que o projeto de Lucio Costa implica? Transgride, avança, inova? Em que direções?[2]. Os questionamentos existem e fazem parte da disciplina humanística da qual a arquitetura e o urbanismo se relacionam. Essas referências são intimamente pessoais (o verde de Brasília lembraria os “lawns da minha infância” – Costa, L.), onde o homem conserva como lastro o referencial de vida, de tempo e ancestralidade. Ela está presente em um livro, em um móvel antigo, em um pano de prato, etc. Neste aspecto, em muito, o desenho nos impulsiona como “colecionadores de arte antiga” ou “referenciais simbólicos”.

A cidade de Berlin na Alemanha seria um bom exemplo para a perda desses elos formais, justamente após os bombardeiros aliados entre 1944-1945. Todas os referenciais foram apagados, não restando imagens ou desenhos que transmitissem na configuração urbana “aspectos topoceptivos, afetivos, simbólicos, estéticos”[3]. No filme, novamente cito outro, “Adeus, Lênin!” de Wolfgang Beker, mostra bem a necessidade dos referencias para o ser humano.

O que Camilo Sitte exaustivamente gostaria de traduzir em tese seria a imagem da cidade em compreensão, como uma nota de rodapé explicativa. Um conselho talvez, uma receita onde a estética pudesse conceder a felicidade ao homem.

A análise não pode se concentrar apenas no objeto, mais para além dele, que como cerne, é o próprio homem que o gerou. Portanto precisamos estudar a interferência direta do design no pensamento, no comportamento do homem, visando o seu bem estar e em um palpável prazer de viver.

















2. Desenvolvimento

A Psicologia Ambiental.

Nos últimos anos, à partir da segunda década do século XX, a estética passa a ser o cerne das preocupações dos estetas. A influência dos plasticistas, “une vision radicalement nouvelle des peintres contribue à métamorphoser l’architecture. La technique ne fara alors que s’adapter à l’esthétique (uma visão radicalmente nova dos pintores – principalmente cubistas – contribuiu a metamorfosear a arquitetura. A técnica viria a se adaptar à estética)”[4]. A partir deste período, e até mesmo próximos aos nossos dias, a plástica se sobrepõe ao próprio homem, como fator preponderante à boa arquitetura.

Apesar das novas tecnologias surgidas ao longo do século passado, apesar de Buckminster Fuller e suas cúpulas geodésicas, apesar das megaestruturas, dos arranha-céus, apesar da arquitetura high-tech, o que se viu foi uma constante pesquisa formal, muitas delas merecedoras de várias críticas como o pós-modernismo e o minimalismo. Mas onde está o homem? Onde está o usuário e para quem servem os edifícios, os objetos e as cidades? “Um argumento comum contra a introdução dos valores do consumidor no processo de design é que grande parte do povo não tem consciência das opções e possibilidades disponíveis”[5].

Talvez é chegado o momento dos arquitetos, dos urbanistas, se debruçarem sobre os aspectos psicológicos, “as dimensões sociais e culturais estão sempre presentes na definição dos ambientes, mediando a percepção, a avaliação e as atitudes do indivíduo frente ao ambiente”[6]. O percurso evolutivo da civilização humana, fatalmente levará ao homem, cada vez mais, a uma preocupação com o próprio homem. Um novo humanismo? Não creio tratar-se de um rótulo filosófico, mas de um processo de conscientização bem mais amplo e que já se inicia com a preocupação com o futuro do nosso planeta.

A psicologia ambiental ou “environment and behavior” basicamente surgiu dentro da Psicologia Geral. Mas como a maioria dos estudiosos desta área já explicam: “A Psicologia Ambiental, por sua vez, não poderia ser muito diferente, ainda mais com sua “dupla personalidade”: parte “psicologia”, parte “ambiente”[7]. Segundo este autor, os italianos Mirilia Bonnes e Gianfranco Secchiaroli (1995), a Psicologia Ambiental formou-se a partir de duas grandes origens, ou raízes teóricas: uma externa à Psicologia, outra interna. Ainda, considerar essa dupla natureza é fundamental para a compreensão adequada da área e de suas dificuldades em encontrar uma identidade teórica, pois desde o princípio essas influências se intercruzam e combinam em esforços de diferentes matizes teóricos e práticos (Bechtel, 1996a; Craik, 1996; Stokols, 1996).

Segundo Pinheiro, Bonnes e Secchiaroli identificam três grandes tendências, oriundas de disciplinas até então distantes da Psicologia: Arquitetura e Planejamento Ambiental, Geografia e Ciências Bio/Ecológicas. O primeiro grupo influenciador, Arquitetura e Planejamento Urbano interessavam-se pela ação dos espaços edificados sobre o comportamento humano, tendo gerado importantes contribuições, algumas delas de autores publicados no país, como Robert Sommer (1973, 1979), Kevin Lynch (1982) e Terence Lee (1977)[8].

Então, a especificidade da Psicologia Ambiental é a de analisar como o indivíduo avalia e percebe o ambiente e, ao mesmo tempo, como ele está sendo influenciado por esse mesmo ambiente. É fato bastante conhecido que determinadas especificidades ambientais tornam possíveis algumas condutas, enquanto inviabilizam outras. Estamos preocupados em caracterizar as incidências específicas de certos micros e macros ambientes sobre o indivíduo. Ou seja, como, por exemplo, a casa de uma pessoa é capaz de influenciar a sua percepção, avaliação, atitudes e satisfazer suas necessidades. Mas também estamos interessados em coisas muito mais amplas, como uma cidade, por exemplo. Como ela influencia o comportamento e o cotidiano do indivíduo?[9]

Vale citar, atrelado a esta idéia, “Os aspectos da arquitetura”[10]: Aspectos funcionais; Aspectos bioclimáticos; Aspectos econômicos; Aspectos sociológicos; Aspectos Topoceptivos[11]; Aspectos afetivos; Aspectos simbólicos; e Aspectos estéticos. O campo é complexo assim como é complexo o homem por princípio. A contribuição da arquitetura e do planejamento urbano envolverá os profissionais destas áreas, em uma viagem sem volta. Uma viagem já iniciada e que possibilitará um ganho real ao homem e ao seu meio-ambiente.

“O povo quer ter voz no projeto e no emprego de seus edifícios, ruas, parques e cidades. Quer ser mais do que simples espectador e consumidor, num mundo projetado e dirigido por remotos profissionais. Não quer ser apenas o passageiro de uma espaçonave: quer ajudar no projeto, personalizar cabinas e passagens e ter vez nos controles”[12]. Isto me faz lembrar o movimento: “Ocupe Wall Street”.

Creio que existe um momento de verdadeiro amadurecimento profissional ocorrendo à partir do instante onde, o que se visa, é a qualidade humana dos projetos. Não existem prazos determinados e restritos exigindo-nos pressa para a entrega dos resultados. O que se espera é por qualidade. Neste universo de conceitos ou “aspectos”, o que se espera é que no final o homem seja sempre o grande vencedor em todos eles e principalmente no plano econômico, onde parece ser, a exemplo de Wall Street, o mais fundamental deles.
Não desejando ampliar este estudo para além da psicologia ambiental ou “environment and behavior”, mesmo porquê além de estar tentando ainda entender bem esta teoria e já fascinado por ela, me vejo abruptamente enveredando por idéias próprias, motivado por pura paixão pelo tema. Aparentemente a psicologia ambiental é ainda mais ampla do que se pode supor.

Se hoje utilizamos o termo sustentabilidade basicamente quando queremos nos referir à princípios de conservação do planeta, tais como aproveitamento do lixo, biocombustíveis, proteção de mananciais, reflorestamento, etc., creio ser ponderável ampliar a sustentabilidade para o campo da economia, para o da saúde física e mental, para o do comportamento humano, para o das relações humanas e até mesmo, afirmo, para o do amor, que por si mesmo, gera valores sustentáveis.

Então a Psicologia Ambiental poderá no futuro, estar intimamente relacionada ao corpo humano, como se este corpo, pudesse estar em sintonia com o meio ambiente, com o que envolve o homem, e isto inclui, obviamente, a nossa área de atuação na arquitetura e no urbanismo.

Outro conceito ainda mais importante e específico da Psicologia Ambiental é a dimensão temporal, que se entende ao mesmo tempo como projeção no futuro e referência ao passado, à história[13]. Neste ponto volto ao caso de Berlin arrasada. Sem os referenciais como reconstruir na memória o passado? Como explica Moser “a noção de história é importante. É através da nossa história residencial (conceito de place-identity, introduzido por Proshansky), que vai influenciar a nossa percepção e a nossa avaliação da nossa residência atual”. Creio que o desenho e conseqüentemente o resultado concreto que pode ser uma casa ou um objeto podem gerar a nossa história residencial.

Onde aplicar tais conhecimentos?

O que me levou ao interesse por esse tema foi talvez o amplo percurso que percorri logo após o meu diploma, em arquitetura e urbanismo pela UNB em 1987, até hoje. Esses anos todos buscava entender o verdadeiro significado da arquitetura.

Se a disciplina da arquitetura se encontra no ramo das ciências humanas (são as disciplinas que tratam dos aspectos do ser humano como indivíduo e como ser social – Wikipédia), é porquê trata-se de uma ciência que têm o homem como centro das suas preocupações. O bem-estar do homem é a nossa profissão, e para onde ela é voltada.

A boa arquitetura nunca será boa apenas por reunir a mais complexa e mais sofisticada tecnologia em sua estrutura. Para servir ao homem, diriam alguns, bastaria uma simples tenda. Em tempos de arquitetura bio-climática, descobre-se lições antigas esquecidas em troca do consumo fácil da forma e tecnologia importados. Os próprios estrangeiros deram um banho em cima de nós, alegando que o movimento desconstrutivista (inventado por eles) teve também inspirações em nossas favelas.

Onde o arquiteto poderia aplicar tais conhecimentos, voltados ao bem estar do homem, senão em sua própria atividade e produzindo sempre uma melhoria de sua produção. Do leque de funções que compõe a produção arquitetônica (a nossa caixa de ferramentas[14]), talvez a mais fundamental delas estaria exatamente no cerne como Ciência Humana. O arquiteto como ser comprometido com o próprio homem e seu bem estar.

“Depois de mobilizada a comunidade poderemos tratar das condições que criam crescimento descontrolado, poluição e feiúra”[15]. O que Summer quis enfatizar é de que a nossa civilização deveria primeiro suprir ao homem as condições para as reflexões, para o saber, para em seguida, o próprio homem, ter todo o ferramental, para compreender a fragilidade desta bolha de ar que nos mantém vivos.

Em uma crítica à atuação dos designers, Summer aponta exatamente para a falta de sensibilidade, a falta de percepção, das necessidades do homem. O arquiteto só responde à necessidade programática de uma enfermaria hospitalar se buscar se posicionar no lugar daquele que estará preso ao leito. O ofuscamento, luz e sombra, conforto, repouso, silêncio, etc., são alguns dos questionamentos do projeto preocupado com o usuário. Sem essas preocupações básicas, não será a mais elevada tecnologia, (que virá posteriormente), que fornecerá o conforto e o bem estar a este paciente.

3. Conclusão

O arquiteto pode e deve evoluir em disciplinas cada vez mais exatas e técnicas. O arquiteto deve procurar possuir todo o ferramental científico inerente à arquitetura para o seu desempenho profissional, mas ele jamais poderá deixar de prevalecer, em sua atuação, a apreciação cognitiva, a apreciação afetiva, a ética ambiental e toda sua subjetividade que lhe é peculiar[16], sem o risco de se tornar apenas um tecnicista e nunca um verdadeiro arquiteto.

Como já foi abordado anteriormente o termo sustentabilidade envolve princípios muito além das simples especificações de materiais com certificações de conservação energética. Do que adianta ter uma escola com selo de qualidade sustentável, se a concepção espacial ignorou princípios da psicologia ambiental ou aspectos psicológicos espaciais, se a criança finalmente não se adapta a esta escola?

Arquitetura não pode querer ser além do que realmente é: arquitetura.

Recentemente ao se comentar sobre pesquisas genéticas, sobre clonagem, sobre alimentos transgênicos, tudo isso soava com muitas desconfianças, tanto pela igreja quanto pela sociedade. Hoje podemos ter um vaso de rosas em nossas mesas de jantar transgênicos que duram semanas e até meses sem apodrecer. Se olharmos do o ponto de vista positivo do que isso pode proporcionar ao homem, com a possibilidade imensa de que o custo dessas rosas serão conseqüentemente menores e possibilitar a uma grande maioria de lares o prazer do deleite, da beleza e do encanto. O que antes era caro e inacessível, amanhã poderá ser acessível a todos.

Assim deve ser o “design”, acessível a todos e com um amplo conceito universal de sustentabilidade, não só dos materiais, mas de proporcionar o bem estar ao homem, em sua forma mais ampla.


Bibliografia (não está em ordem alfabética).


DR. VAN ANDEL, Joost. Environment-behavior Studies and Design Research,
Eindhoven University of Technology, Department of Philosophy and Social Sciences.

ARTIGAS, João Batista Vilanova. A função social do arquiteto – São Paulo: Nobel, 1989.

PACHET, Pierre. Le grand age – Cognac: Le temps qu’il fait, édition nº 177, 1993.

AKKERMAN, Abraham. Harmonies of urban design and discords of city-form: urban aesthetics in the rise western civilization – Jornal of urban design, Vol. 5, No. 3, 267-290, 2000.

PINHEIRO, José Q. Psicologia Ambiental: a busca de um ambiente melhor – Estudos de Psicologia 1997, 2(2), 377-398.

MOSER, Gabriel. Psicologia ambiental – Estudos de Psicologia (Natal) vol.3 no.1 Natal jan./june 1998.

Environment and Behavior. http://eab.sagepub.com.

ZEISEL, John. Inquiry by design: tools for environment-behavior research – Brooks/Cole Publishing Company. Monterey, California.

HEGEL, G.W.F. Introduction a l’esthétique le beau, premier volume – 1979, Flammarion, Paris.

RAGON, Michel. Histoire de l’architecture et de l’urbanisme modernes, tome 1.Idéologies et pionniers 1800-1900, tome 2. Naissance de la cité moderne 1900-1940 et tome 3. De Brasilia au post-modernisme 1940-1991.

DAMATTA, Roberto. A casa e a rua (espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil) – São Paulo: Editora Brasiliense, 1985.

SOMMER, Robet. O papel do arquiteto (a conscientização do design) – São Paulo: Editora Brasiliense, 1979.

BAYER, Raymond. História da Estética – Lisboa, Editorial Estampa, 1979.

HOLANDA, Frederico de. Brasília – cidade moderna, cidade eterna – Brasília: FAU UnB, 2010.

VÁRIOS AUTORES, HOLANDA, Frederico de – Organizador. Arquitetura e Urbanidade – Brasília: FRBH Edições, 2011. 2º Edição.

LYNCH, Kevin. A imagem da cidade – Lisboa, Edições 70, Lda, 2011.

LYNCH, Kevin. A boa forma da cidade – Lisboa, Edições 70, Lda, 2010.

VÁRIOS AUTORES, sous la direction de Richard VERCAUTEREN, Des lieux et des modes de vie pour les personnes âgées – Ramonville Saint-Agne, Éditions Érès, 2000.

BRAMI, Gérard. La qualité de vie dans les établissements d’hébergement pour personnes âgées – Paris, Berger-Levrault, 1997.




* A palavra design será empregada como termo genérico englobando arquitetura, paisagismo, decoração de interiores, planejamento e outras profissões relacionadas com o projeto e o planejamento do ambiente construído pelo homem – ROBERT SOMMER.
[1] SOMMER, Robert: O papel do arquiteto, a conscientização do design, Editora Brasiliense.
[2] HOLANDA, Frederico. Brasília, cidade moderna, cidade eterna.
[3] HOLANDA, Frederico. Brasília, cidade moderna, cidade eterna.
[4] RAGON, Michel. Histoire de l’architecture et de l’urbanisme modernes.
[5] SOMMER, Robert. O papel do arquiteto, a conscientização do design. Editora brasiliense, 1979.
[6] MOSER, Gabriel. Palestra proferida na Biblioteca Central da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, em 27 de agosto de 1997.
[7] PINHEIRO, José Q. Psicologia Ambiental: a busca de um ambiente melhor. Estudos de Psicologia 1997, 2(2),377-398.
[8] PINHEIRO, José Q. Psicologia Ambiental: a busca de um ambiente melhor. Estudos de Psicologia 1997, 2(2),377-398.
[9] MOSER, Gabriel. Palestra proferida na Biblioteca Central da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, em 27 de agosto de 1997.
[10] HOLANDA, Frederico. Brasília, cidade moderna, cidade eterna.
[11] HOLANDA, Frederico. Brasília, cidade moderna, cidade eterna. Neologismo criado por KOHLSDORF, Maria E. A Apresentação da Forma da Cidade.
[12] SOMMER, Robert. O papel do arquiteto, a conscientização do design. Editora brasiliense, 1979.
[13] MOSER, Gabriel. Palestra proferida na Biblioteca Central da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, em 27 de agosto de 1997.
[14] Termo muito utilizado tanto pelo prof. Holanda quanto por nós alunos, durante as aulas de Espaço e Organização Social – EOS.
[15] SOMMER, Robert. O papel do Arquiteto – a conscientização do design, (Design Awareness), 1972.
[16] SOMMER, Robert. O papel do Arquiteto – a conscientização do design, (Design Awareness), 1972.

Brasilia 1984 a 2014


De 1984 a 2014 Trinta Anos de Brasília
Marco Antônio Santos De Amorim

Introdução

O objetivo deste trabalho não é o de tecer as mesmas, e já desbotadas críticas, à Brasília e ao seu Plano Piloto, tão pouco ao seu autor, o Arquiteto e Urbanista Lucio Marçal Ferreira Ribeiro de Lima e Costa. Muito menos externar uma aversão gratuita às suas patologias.
Em 1984 quando cheguei, Brasília era uma cidade espaçosa e ampla, facilmente identificável tanto a olho nu quanto por percepção intuitiva. Esses vazios eram palpáveis tanto no deslocamento enquanto pedestre quanto em automóveis. A população do Distrito Federal era de pouco mais de um milhão habitantes.
O Distrito Federal conta hoje com 2.570.160 habitantes (IBGE – Censo 2010), quase triplicado em trinta anos. Haverá um crescimento de trezentos por cento entre 1984 a 2014 (previsão projetada).
A ocupação urbana cresceu e adensou-se, porém a infraestrutura urbana, pouco acompanhou este crescimento. O Plano Piloto em pouco mais de cinquenta anos, “parou no tempo” embalado pelos “defensores” preservacionistas, e com o apoio institucionalizado e internacionalizado, da Unesco e seu plano de “tombamento”.
Entre agir e preservar entre a politicagem e os escândalos de corrupção, entre a “implementação” de uma infraestrutura urbana para a capital do país, e os preparativos para a Copa do Mundo de Futebol em 2014, pouco se faz e pouco se fará.
Onde estão sendo feitas as obras essenciais que acompanhariam tal crescimento populacional e que permitiriam a esta capital solucionar os graves problemas de transporte público, os graves problemas de habitação, os problemas do saneamento básico, da mobilidade urbana e das poluições sonoras e visuais?
Brasília como capital do Brasil deixa muito a desejar. São questionamentos dentre tantos que me permito abordar neste trabalho.

As Idéias e o Planejamento

O primeiro questionamento seria o da curiosidade em saber como foi possível Brasília ter se permitido permanecer, imune às mudanças, às reflexões, ao planejamento, aos estudos e aos debates? Após a sua inauguração em 20 de abril de 1960 a cidade foi sendo povoada. As “cidades satélites” nasceram paralelamente ao surgimento de Brasília, e ao mesmo tempo, em uma nítida intenção, de manter preservado e imutável, o Plano Piloto. Resultando em um total isolamento, tanto do povo que ajudou a construir esta cidade, quanto das classes mais baixas[1].
“Para conter as invasões constantes em terras próximas da capital, foi criada a cidade de Taguatinga, em 5 de junho de 1958, em terras que anteriormente pertenciam à Fazenda Taguatinga. Inicialmente, a cidade se chamava "Vila Sarah Kubitschek" mas, depois, seu nome foi alterado para "Santa Cruz de Taguatinga", permanecendo apenas Taguatinga. Não raro, é chamada pelos habitantes locais simplesmente de "Taguá" (Wikipédia).
“Assim como Brasília, Sobradinho também é uma cidade planejada. O plano da cidade foi elaborado entre 1958 e 1959 pelo engenheiro Inácio de Lima Ferreira, que pertencia ao quadro de engenheiros do Departamento de Terras e Agricultura da Novacap. Lúcio Costa, urbanista, principal responsável pelo planejamento de Brasília e chefe do Departamento de Urbanismo da Novacap preferiu que o planejamento fosse executado por um arquiteto de sua equipe. O projeto de Sobradinho foi então confiado ao urbanista Paulo Hungria Machado, que também já havia feito o plano urbanístico da região administrativa do Gama. A construção da cidade se desenvolveu entre 1959 e 1960 com recursos do Departamento de Terras e Agricultura da Novacap. Pouco depois, Inácio Lima Ferreira retomou o projeto, executando serviços topográficos, arruamento e locação de terrenos, instalando os serviços subterrâneos de abastecimento d'água e saneamento básico” (Wikipédia).
“O arquiteto Paulo Hungria, em maio de 1960, desenvolveu a planta urbanística da cidade do Gama, na forma de colmeia, dividindo-a em cinco setores: Norte, Sul, Leste, Oeste e Central. O Setor Central (para atividades mercantis) não foi detalhado em função das necessidades futuras. Porém, coube ao engenheiro José Maciel de Paiva, por ordem do então prefeito Israel Pinheiro (ex-presidente da Novacap), instalar um núcleo pioneiro e promover as primeiras transferências, iniciadas a partir de setembro de 1960. Foi auxiliado pelo engenheiro José Carlos Godoy, pelo fiscal Agnelo Dias Correia (que juntamente com sua mulher são considerados os moradores pioneiros da cidade), pelo mestre-de-obras Joaquim Santana, entre outros. A então cidade-satélite foi fundada no dia 12 de outubro de 1960. O povoamento inicial foi efetuado com a remoção de 30 famílias residentes na Barragem do Paranoá, em 1960. Posteriormente a cidade recebeu grande parte dos moradores da Vila Amaury e da Vila Planalto. Em 1970, foram transferidos os habitantes instalados no Setor de Indústria de Taguatinga. Hoje, é uma cidade em rápido desenvolvimento, com uma economia cada vez mais independente de Brasília, com destaque para a construção civil. O Gama hoje possui cerca de 127.121 habitantes (PDAD 2010/2011)” (Wikipédia).
“Em 1965, o arquiteto Paulo Magalhães, que foi também Administrador Regional, elabora para Planaltina um Plano Diretor que prevê o desenvolvimento urbano da cidade, com o objetivo de garantir uma ordenação estrutural capaz de comportar as diversas alterações que a cidade sofreu com a transferência da Capital. A partir de 1966 Planaltina sofre alterações periódicas com a implantação de loteamentos para receberem pessoas que não podiam se fixar no Plano Piloto (invasões e população de baixa renda de varias partes do país), tais como: Vila Vicentina, Setor Residencial Leste (Vila Buritis I, II, e III), Setor Residencial Norte A (Jardim Roriz) e ampliação do Setor Tradicional (www.planaltina.df.gov.br)”.
Para que serviria o Plano Piloto afinal? As “cidades satélites” foram concebidas para abrigar as classes baixas e média-baixas, e o Lago Sul para abrigar as elites. Seria o Plano Piloto destinado apenas aos funcionários públicos, que após a aposentadoria, dariam a sua vez de uso, aos novos servidores, de “seus atuais apartamentos funcionais” como se despissem de seus uniformes, ou como se esvaziassem as gavetas dos escritórios, das suas respectivas repartições públicas?
O pensamento em vigor previa um plano imutável desde o início. Não se cogitava uma só expansão além dos limites rigidamente delineados na forma de avião. Era o desenho urbano de Lucio Costa, era o projeto arquitetônico de Oscar Niemeyer. Era o que deveria ser preservado, o restante (as satélites) ficaria sob a responsabilidade enfadonha do detalhe, o que permitiria manter, a capital do país, como uma cidade-burocrática e intocável.
Neste aspecto entra em conflito a imagem do homem empreendedor, cujo símbolo de “espírito progressista” nos possibilitou Brasília, com a do homem político. Por que JK, um homem visionário, e com o poder nas mãos, não pensou Brasília para todos? Por que Brasília não poderia ter hoje três, quatro, cinco ou seis asas? Por que Brasília hoje não poderia dar a mesma qualidade de vida democraticamente a todos, ou pelo menos, a uma população de quase três milhões de habitantes do DF (Censo 2010 com a projeção futura)?

Ilustração do autor sobre o croqui de autoria de Lúcio Costa como parte da Memória Descritiva do Plano Piloto.

Porquê Lúcio Costa não cogitou esta possível expansão? Em Brasília, cidade que inventei, Lúcio Costa afirma: “No caso de Brasília tratava-se de conceber uma cidade para a capital do país no deserto, na savana, como se fosse na Sibéria, compreende? Não tinha nada, não tinha paisagem. A cidade não tinha que se adaptar a nenhuma ambientação local. Havia unicamente o céu. Era o horizonte e o céu imenso. Aquele céu imenso de Brasília, onde as nuvens têm uma presença enorme”. Se assim o era, então por que Lúcio não imaginou ter as quatro ou seis asas como forma de expansão futura da cidade? Por que não pensou, que afinal, tratava-se de um desenho no deserto, onde apenas as nuvens, seriam testemunhas daquela visão? Lúcio demonstrou ser um poeta, mas infelizmente, com pouco idealismo.
Brasília já nasceu antidemocrática, já nasceu egoísta. Aqueles que defendem o tombamento de Brasília tem todo o direito de fazê-lo, pois agora, já é tarde demais para não “engessa-la”, para torná-la uma relíquia imutável. As Satélites são "guetos". Não existe unidade de tecido urbano. Não existe continuidade. Trata-se de fragmentos, de "desenhos riscados na terra", sem espírito de humanidade.
  
Quando poderíamos torná-la utópica, optamos pelas soluções egoístas e antidemocráticas. E não adianta agora buscar o refúgio em justificativas, também antidemocráticas, de que desvios houveram por culpa do regime militar que veio logo a seguir à inauguração (o golpe militar foi em março de 1964). As cidades dormitório (ou Satélites) foram inauguradas antes deste período.
Acontece que as contradições são inúmeras. Acontece que a falta de um planejamento impossibilitou uma clara ausência de debates. Era JK contra o resto do país. “Cidade amaldiçoada” (frase atribuída a Jânio Quadros no livro 1961, Brasil entre a ditadura e a guerra civil.). O Rio de Janeiro não desejava Brasília e o Rio de Janeiro era a nossa capital. A luta pela construção de Brasília foi titânica, uma luta do homem sábio, contra uma classe desprovida de sentimento humanitário.
Nas mesmas proporções de uma luta ferrenha a favor da construção de Brasília, logo após, veio a luta pela efetivação e implantação das mudanças administrativas, da antiga Capital, para Brasília, e posteriormente, a luta pela defesa de Brasília e pela sua preservação, que é travada até hoje. Acredito que devido a essas lutas, criou-se um arsenal de proteção em torno desse “objeto do desejo”, eliminado qualquer tentativa de explorar, uma janela de discussões e reflexões que seja, que levassem a tornar Brasília, em um verdadeiro sonho, que poderia ser jamais imaginado em lugar nenhum em todo esse planeta.
Brasília poderia ser o que jamais será. Brasília teria uma chance, mas hoje encontramos descontentamentos e críticas. Por mais que tentemos defendê-la, esse sonho não se tornou realidade, pelo menos, para os moradores das Satélites. Hoje creio, que o melhor destino para o Plano Piloto, seja realmente tombá-lo.
A Arquitetura de Brasília
Lúcio Costa (arquiteto) sempre transpareceu de uma sensibilidade admirável. A Asa Sul (e apenas ela) espelha o Parque Guinle (Edifícios do Parque Guinle RJ 1943 – 1954), reflete Monlevade (Vila Operária Monlevade MG 1934). Qual maravilha interpretativa e qual fantástica analogia com a verdadeira essência dos valores estéticos dos desbravadores bandeirantes.
A arquitetura de Lúcio Costa, pré-Brasília, possui um valor inestimável para a cultura do Brasil. O senhor Costa com toda a certeza bebeu das ideias revolucionárias e patrióticas de Wright. Traduzindo para o português brasileiro os nobres princípios de base que fizeram a revolução “Wrightiana”. Com sabor de café passado na hora, com sabor de “pão de queijo”, a expressão vernacular, contida em sua arquitetura, dos anos 30, 40 e 50, são deliciosas.
Esta simplicidade maravilhosa, infelizmente hoje, só pode ser saboreada por poucos, se poucos podemos considerar, de uns 250.000 habitantes (apenas a Asa Sul)! A Asa Norte não rebate o charme da Sul. Lúcio se cansou rápido, desde o início. “Lucio Costa, em uma entrevista publicada na “Folha de S. Paulo”de 22 de julho de 1995 (suplemento “Mais” págs. 4 a 8) declarou: “Não estava interessado em Brasília. Fui procurado por muitos arquitetos que queriam minha colaboração e sempre recusei. Eram seis meses de prazo e os arquitetos achavam o período curto. Nesse intervalo fui aos Estados Unidos, convidado pela Parsons School of Design. Não estava interessado no concurso. Quando voltei por mar, comecei a me interessar por Brasília. Cheguei faltavam menos de dois meses para terminar o prazo e me ocorreu uma solução que me pareceu válida. Desenvolvi a ideia e apresentei na última hora, no último dia. Já estavam fechando o guichê. Fiquei no carro e minhas filhas foram entregar o projeto”. [2]
Seriam o cansaço ou o desânimo que levariam Lúcio Costa a uma total letargia ou a falta da paixão por seu Plano Piloto? Paixões estas que sobravam em sua arquitetura. Seria para Lúcio o rótulo de urbanista, demasiadamente pesado e enfadonho, comparados à leveza e a simplicidade, expostas em suas "casas coloniais"? Ou teria sido o pensamento grandioso dos norte-americanos que contagiou Lucio Costa? Durante a sua estadia na Parsons School of Design, teria Lucio, ampliado a sua visão para além do simples objeto? Teria Lucio compreendido, de que o urbanismo, seria tão importante quanto a sua própria arquitetura, só então, decidindo participar do concurso? São questionamentos, talvez, que nunca obteremos respostas.
Este amor que faltou desde o início, transferiu a Brasília um destino, de nascer e crescer, como um filho abandonado. O momento para cuidar do filho querido era aquele, mas Lúcio Costa, a pesar de estar literalmente inspirado da vitória, previa, talvez, o enorme aborrecimento, que aquela decisão poderia lhe causar. “Compareço, não como técnico devidamente aparelhado, pois nem sequer disponho de escritório, mas como simples maquis do urbanismo, que não pretende prosseguir no desenvolvimento da ideia apresentada senão eventualmente, na qualidade de mero consultor. E se procedo assim candidamente é porque me amparo num raciocínio igualmente simplório: se a sugestão é válida, estes dados, conquanto sumários na sua aparência, já serão suficientes, pois revelarão que, apesar da espontaneidade original, ela foi, depois, intensamente pensada e resolvida; se o não é, a exclusão se fará mais facilmente, e não terei perdido o meu tempo nem tomado o tempo de ninguém”.[3]
Brasília assim, sem amor e proteção, não poderia almejar um grande futuro. Lúcio como “mero consultor” deixou Brasília sem um “projeto executivo”, deixou seu Plano Piloto sem um detalhe que seja. Um simples esboço à mercê dos políticos, dos críticos, dos aventureiros, dos engenheiros, dos desenhistas, dos técnicos, dos invasores de terras e sem a proteção paternal do arquiteto.
Brasília hoje poderia ser um exemplo de sucesso urbano. A verdadeira cidade igualitária, socialista, e por que não dizer, comunista. Uma Brasília igual para todos, igual para a grande maioria. A Asa Sul seria igual a Asa Norte e assim por diante (no caso de haverem outras Asas). A Asa Norte teria a mesma configuração dada a Asa Sul. A mesma simplicidade coerente dada aos Comércios Locais Sul haveriam nos da Asa Norte (hoje opostamente distintos). A Asa Norte teria sido privilegiada com aquela arquitetura moderna, limpa e despojada.
Mas sem o seu o pai, sem o seu protetor, Brasília foi perdendo amor e acabou por se tornar esta “colcha de retalhos” de desenhos urbanos, sem identidade, sem “pai nem mãe”. O tombamento de Brasília deve se limitar à Asa Sul. Esta sim, tem o DNA de Lúcio Costa. A Asa Sul em todo Distrito Federal, é o único “retalho” desta multifracionada colcha, que merece a paternidade do arquiteto, o único desenho verdadeiramente “Luciocostiano”.
Brasília é insípida e “desmotivante”. Muitos verdadeiramente não amam Brasília, apenas precisam dela, devido ao apoio paternalista, que o Estado amplamente possibilitou, a estes poucos privilegiados. Somos todos escravos desta ampla inércia do enriquecimento aventureiro em que esta capital nos condicionou. São os condomínios irregulares ou as invasões das terras públicas, já que o preço para morar no Plano, é assustador. Somos como os bandeirantes em busca das esmeraldas.
Enquanto este processo aventureiro vem ocorrendo, nos corações de cada brasiliense, a TERRACAP vem se encarregando de tornar a Nova Capital, cada vez mais inacessível, contribuindo para que o preço do metro quadrado construído em Brasília, seja bem mais valorizado do que em Miami. Também não poderia ser diferente, afinal, não resta muito para ser expandido.
Apesar de Brasília não ter alcançado seus objetivos políticos, em relação ao plano social, alcanço-o no plano estratégico. “No Brasil Colônia, quando se falava em interiorização da capital, as considerações de segurança sobrepunham-se a todas as demais. Não era segura uma cidade à beira mar. Salvador fora atacada muitas vezes, conquistada e saqueada. O Rio pagara também o tributo em vidas e fazendas. Praticamente todas as vilas e cidades litorâneas haviam sido invadidas e saqueadas: São Vicente, Vitória, Olinda, Recife, Salvador, Rio de Janeiro. A própria metrópole portuguesa, Lisboa, curvara-se à ameaça que Haya lhe fizera de enviar uma esquadra a subir o Tejo e concordara em pagar à Companhia Privilegiada das Índias Ocidentais, como indenização pela perda de Pernambuco, seis milhões de cruzados, além de devolver as peças de artilharia que conquistara e de conceder favores especiais no comércio de açúcar”.[4]
Brasília finalmente não se tornou a “Capital da Esperança” (assim batizada pelo ministro da cultura da França Andre Malroux). Mas se tornou a capital de um país atípico que é o Brasil. Este país continuará a sua trajetória atropelando a si próprio, e mesmo sem rumo, esperaremos que alcance a sua maturidade democrática.
É muito fácil a crítica sobre o produto acabado. Ao mesmo tempo, é difícil criticar este mesmo produto acabado, sabendo-se que as críticas não servirão a um objetivo concreto. Interpreto as críticas neste trabalho como utópicas assim como a própria utopia que gerou Brasília. Fica muito fácil entender todo o processo gerador da nova capital, a partir da complexidade cultural do nosso povo.

Mas a crítica se faz necessária, exatamente, para que erros primários em desenho urbano, e não em urbanismo, sejam repetidos por falta de críticas. 


A maior lição de "como não fazer" igual ao que foi feito neste Plano Piloto: uma cidade é organismo vivo. Uma cidade cresce e evolui. o Plano não evolui, não pode crescer e é estático. Isso contraria qualquer espírito de cidade. Toda cidade cresce e essa foi a lição que Lúcio nunca aprendeu em todos os seus anos de formação, graduação e prática profissional, que uma cidade deve ter a solução de continuidade e ser previsto a sua expansão, e que esta expansão, seja garantida com as mesmas soluções de qualidade da proposta, para todos.

O Plano Piloto em forma de avião não replica o critério básico do tabuleiro xadrez, da continuidade, a exemplo de NY City, Barcelona ou Pompéia. Fechado em si mesmo, como uma "ilha da fantasia", exclui a conexão com as Satélites, com a possibilidade de dar a todos, ricos e pobres, a mesma qualidade proposta nas suas Superquadras. Nega ao "gueto" o direito a Cidade Jardim. Termo que tanto utilizou para defender o novo, o inovador, o pioneiro.

Ao contrário do que todos, que defendem Brasília cegamente, o Plano Piloto não é democrático e já nasceu elite ao excluir do pobre o direito de habitar na "cidade jardim".

As Superquadras 400 foram concebidas para os funcionários subalternos, serviçais (motoristas) dos escalões mais elevados da república que habitariam nas 200, 100 e 300. O operário, o faxineiro, a cozinheira, a lavadeira, o micro, pequeno e médio empresários, seriam alijados do processo urbano e a esses restariam as Satélites. Cidades essas sem o mesmo carinho e afeto de Lúcio Costa.

Hoje o Plano está "cheio". Apenas poucos privilegiados podem usufruí-lo. Se Lúcio tivesse aprendido a lição, não existiriam os guetos, as satélites, mas apenas Superquadras e "todos teriam o mesmo tecido urbano de vida".
O Sistema Viário
Se no pensamento do planejamento de 1960 o Plano Piloto seria destinado apenas a quinhentos mil habitantes e esta população é que viveria e trabalharia no Plano Piloto, fatalmente a população das satélites, caso trabalhassem para o Plano Piloto, teriam que se deslocar no início e no fim de cada dia pelas mesmas vias de acesso. Um efeito sanfona que vemos até hoje, e ainda por cima, agravado com o aumento da população. Hoje estamos com mais de dois milhões de habitantes residindo em cidades satélites.
Restringindo-me apenas aos assentamentos ditos “planejados” (Taguatinga, Sobradinho, Gama, Guará, etc.), as distorções se intensificaram a partir dos anos 70 com o surgimento dos “condomínios” surgidos nos anos 80 e 90. A partir desses acontecimentos, a capital do país ficou sem rumo e com a liberdade total pela desorganização urbana.
Hoje dentro do quadrilátero do Distrito Federal de 5.787,784 km², com apenas um Município, com uma população de 2.570.160 habitantes, resultando em uma densidade demográfica de 444,07hab/km² (Censo Demográfico 2010 – fonte IBGE), é alarmante o quanto se intensificou e adensou-se o trânsito viário da Capital do país.
Dentro desse quadrilátero presenciamos a “colcha de retalhos” de desenhos urbanos distintos ligados por artérias ao centro geométrico que é o Plano Piloto. Essas artérias de ligação estão se entupindo a ponto de causar um verdadeiro infarto agudo do miocárdio (IAM), erroneamente chamado de ataque cardíaco – Wikipédia. As artérias do Distrito Federal não são permeáveis. Uma vez entupida, o fluxo viário não dispõe de ramificações opcionais, de percursos secundários ou terciários. No Plano Piloto para se deslocar de um ponto A ao ponto B, em muitos casos, só dispondo de uma ou no máximo, de duas opções de percurso. Além de uma estrutura viária atípica e mal projetada para o Distrito Federal.
A malha viária do Distrito Federal não encontra similaridades em outras cidades do planeta. Esta exclusividade custa-nos dispendiosas somas de dinheiro (tanto dinheiro público quanto privado) e tempo para utilizá-la e mantê-la. Diante destas especificidades, resta-nos não o conflito, mas a interpretação. Não chegaremos a lugar algum se não enfrentarmos as dificuldades, buscando não apenas soluções prototípicas fáceis, mas também, e por que não, soluções autóctones, ditas próprias de uma “cidade sem esquinas”.
O altíssimo custo do transporte público no Distrito Federal envolve a benevolência do financiamento paternalista, da esfera governamental, para com os empresários das companhias de transportes urbanos de Brasília. Mesmo nos EUA, onde é notório a fama de uma assistência médica-hospitalar totalmente privada e cara, mas ao menos por lá, a educação básica é pública e gratuita, o transporte é de responsabilidade do governo e a segurança também, e são todos, bem sucedidos. O transporte público nos EUA é função do Estado (Public Authority), e assim como por lá, deveria ser em Brasília. No Brasil, o povo paga caro por um transporte público e privado, sofre com a falta de segurança, não possui um ensino fundamental de qualidade, e sofre nas filas de espera dos hospitais que são públicos, porém mal geridos.
A distância percorrida entre o plano piloto e qualquer uma das cidades satélites é preenchida por vazios urbanos. Isolar o Plano Piloto das Cidades Satélites é o mesmo que separar, ou isolar, uma classe de outra. Poderíamos interpretar este isolamento como se as Cidades Satélites fossem como guetos. Esta estrutura radial e com o termo “satélite” (ou Cidade Dormitório), explicita claramente heliocentrismo. Estrutura radial e concêntrica, como aros de uma roda de bicicleta, e sem os vínculos que possibilitariam, as inter-relações, entre os aros, o que levaria a quebra da rigidez deste único percurso possível, entre cada Cidade Satélite e o Plano Piloto
Soluções para a irrigação e aumento da permeabilidade viária de Brasília são óbvias, mas são decisões, que pelo visto, só serão efetivadas após o amadurecimento político da nação. Enquanto o governo estiver refém das decisões político-partidárias, todo planejamento estará subjugado a uma plataforma também política e partidária. Não haverá espaço para um órgão público de planejamento, com autonomia e independência. Um bloqueio de pista (um trem bate em uma carreta que vira no meio de uma pista, acidente ocorrido no dia 26 de outubro de 2012 na Cidade do Automóvel) pode causar o entupimento de uma artéria por horas ou até por um dia todo. Para muitos, encontrar outra via de evacuação, pode se tornar um exercício complicado.
No Plano Piloto não se pode conduzir um automóvel, utilizando-se apenas a via W1, à partir da 102 Norte até a 116 Norte ou da 102 Sul até a 116 Sul. O condutor é obrigado a fazer um desvio e tomar as vias W3 Sul ou Norte e as vias ERW S ou ERW N (Eixo Rodoviário West – Sul ou Norte). O fluxo de veículos é fortemente canalizado de uma via para a outra, sobrecarregando a mesma. Fazendo a analogia com os vasos sanguíneos, esta sobrecarga levaria fatalmente à morte do paciente, pois representaria o bloqueio de uma artéria. A via W1 nada mais é do que uma artéria bloqueada, uma rua sem saída, um “cul de sac” (termo francês para rua sem saída).
Assim como as vias W1 não permitem um livre trânsito dos automóveis a não ser por desvios para a W3 ou para a ERW, o mesmo ocorre, para os pedestres que diariamente utilizam os diversos obstáculos de acessibilidade que se encontram no Setor Comercial Sul e Norte. Verdadeiros labirintos desafiadores para qualquer tentativa de atender a NBR 9050[5]. Soluções existem, e fatalmente ocorrerão, mas não sem antes uma grande briga de foice entre os preservacionistas e os demais.
Brasília sofre com a falta de permeabilidade rodoviária. Esta mesma falta de permeabilidade é sentida principalmente pelo pedestre. Os vazios são como barreiras invisíveis.
Aqui novamente é bom lembrar sobre a crítica construtiva. A crítica visando um único objetivo, o de promover a reflexão positiva deixando a decisão, não para uma ou duas pessoas, mas para todo um povo, ou pelo menos, para os que habitam (os usuários desta capital). Vale ressaltar de que o enfoque da discussão não se limita ao Plano Piloto, mas ao Distrito Federal.
Conclusão
Brasília agora se prepara para um grande evento em 2014, o de sediar parte da Copa do Mundo no Brasil. Não está se preparando de maneira correta. O governo decidiu abrir mão da construção do sistema de veículo leve sobre trilhos o VLT, por julgar que já é tarde para deixá-lo pronto até 2014. Embora não fique pronto para servir aos turistas que virão para a Copa, mas poderia atender aos moradores do Distrito Federal em 2016 ou 2020! Então por que não iniciar já?
A W3 com suas lojinhas “singelas” (“A gradação social poderá ser dosada facilmente, atribuindo-se maior valor a determinadas quadras como, por exemplo, às quadras singelas...” – Memória descritiva do Plano-Piloto de 1957), estão totalmente descaracterizadas em uma verdadeira batalha pelo visual bem aterrador. A poluição visual tomou conta, além de o governo não se importar, se as fachadas estão ou não apodrecendo, ou se as marquises estão prontas a despencar. Sem mencionar as calçadas de pedras portuguesas “mais parecendo uma boca banguela” (Caetano Veloso – é chique agora citar os poetas músicos).
Desde de que decidi retornar à UnB, como aluno especial, tinha em mente, fazer esta crítica construtiva à Brasília.
Durante os dez anos que estive morando fora do Brasil entre a França e os Estados Unidos da América do Norte, pude amadurecer meus pontos de vistas tanto profissionais, como de usuário das cidades. Não viso neste trabalho, que considero utópico, alguma intenção conclusiva e fechada sobre todos os aspectos abordados. Creio sim de poder possuir um elemento gerador de idéias, e que poderão, ser exploradas no futuro.
O importante é não considerar o embrião formador, como um ato falho ou sem conteúdo. Nunca será, ao meu ver, um feto natimorto. O meu objetivo é o de refazer a crítica, e a inverter, para um plano construtivo. Espero que aqui estejam contidas intenções de verdadeira vontade de contribuir, e não apenas o de manchar a imagem, daqueles que ajudaram a erguer a Capital do Brasil. Se por um descuido, ou até por vontade própria, ocorreu o contrário, foi por pura intenção de dizer que “basta” aos erros, nós brasileiros podemos fazer melhor.
Não sei dizer se, apenas no Brasil, ou se em outros países também, se utilizam o termo “maquiavélico” para nos referir a algo realizado intencionalmente com o espírito maléfico ou vingativo. Acontece que Maquiavel era uma espécie de diplomata na Itália renascentista, e não era, nem nunca foi, maquiavélico. Este é o objetivo deste trabalho, o de ser crítico sim, mas não irônico, falso, egocêntrico ou negativo, ou o de permitir, que a palavra “crítica”, seja utilizada apenas negativamente.
Bibliografia
Tamanini, L. Fernando: Brasília Memória da Construção - Documentário, primeiro e segundo volumes, segunda edição, Projecto Editorial, Brasília, 2003.
Internet (World Wide Web).
Markun, Paulo e Hamilton, Duda: 1961 – Brasil entre a ditadura e a guerra civil. Bemvirá Editora, São Paulo, 2011.
Wisnik, Guilherme: Lucio Costa – São Paulo: Cosac Naify, 2001.




[1] Durante as obras de construção de Brasília, os operários com família moravam na Cidade Livre e os solteiros ou desacompanhados moravam nos acampamentos das Construtoras. Mas sabiam que tão logo se inaugurasse a nova Capital desapareceriam os acampamentos e a própria Cidade Livre. Para onde iram então? Certo é que não dispunham de recursos para adquirir casa ou apartamento na cidade que estavam a construir. Lucio Costa tratara do problema no Relatório do seu plano-piloto: “Devemos impedir a enquistação de favelas tanto na periferia urbana quanto na rural. Cabe a Companhia Urbanizadora prover dentro do esquema proposto acomodações decentes e econômicas para a totalidade da população”. – Tamanini, L. Fernando: Brasília Memória da Construção.
[2] Tamanini, L. Fernando: Brasília Memória da Construção - Documentário, primeiro e segundo volumes, segunda edição, Projecto Editorial, Brasília, 2003.

[3] Memória Descritiva do Plano-Piloto de 1957.
[4] Tamanini, L. Fernando: Brasília Memória da Construção - Documentário, primeiro e segundo volumes, segunda edição, Projecto Editorial, Brasília, 2003.

[5] Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos.